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Olá!

Sejam todos bem vindos ao "Outside", o canal aberto para a socialização de ideias e opiniões sobre arte, cultura underground e o que mais nos der na telha: política, economia, rock progressivo inglês, a cor do biquíni de bolinha amarelinha da Ana Maria (essa última, só tendo mais de 25 anos ou sendo muito estranho para lembrar...).
Deste ponto em diante, serão postados, neste espaço, textos e outros materiais relativos a assuntos diversos: Cultura(s), filosofia, teatro, música, cinema, sem deixar de lado a realidade mais concreta e imediata.
Em cada página/seção serão postados textos relativos a temáticas distintas.

  • Em "Cult", sob o olhar de Adenivaldo Brito, Contemplaremos elementos significantes da cultura e do entretenimento mundial, do pop ao underground e as manifestações artísticas e midiáticas que arrastam legiões de seguidores.
  • Em "O mundo de Sofia, entre outros" George Lima nos guiará pelo universo literário entre mergulhos filosóficos e reflexões teóricas.
  • A bordo da "Nabucodonosor" está Matheus Medrado com comentários e análises intrigantes sobre o mundo do cinema. 
  • No palco do "Caleidoscópio" Jheffesson Aguiar nos apresentará fatos relevantes sobre teatro e afins.


Então, como diria Douglas Adams: "Pegue sua toalha e não entre em pânico!".

Está nascendo, neste momento, o Canal Outside!

"Le cœur dispose ses raisons que la raison ne connaît point"


"O coração possui razões que a própria razão desconhece”


Quando Pascal proferiu essas palavras, cerca de quatro séculos atrás, o que será que passava por sua cabeça? Simplesmente um dos mestres do racionalismo, se rende às aflições da alma e assume a subjetividade dos sentimentos, num período marcado pelo conflito entre jansenistas e jesuítas. A abstração das ideias e a assumição (essa palavra existe? Ah! Dane-se! Agora existe!) do sentimentalismo leva o físico a mostrar um pouco de poeta. Tá bom, tá bom... podem perguntar: “O que te deu, rapaz?  O que que há? Cadê aqueles artigos cheios de referenciais políticos e idealistas, costumeiramente postados aqui e direcionados à cultura pop ou ao underground? Bem, hoje não tem artigo, hoje não tem pop, hoje não tem underground, hoje não tem nada a que se possa atribuir qualquer valor lógico pois, afinal, o que é a lógica? O que faz sentido para mim, atribui algum valor também a você, caro leitor? De que adianta falar do crack da bolsa de 29, da paranóia e consequente perseguição política aos artistas no período da guerra fria, enquanto deixamos de lado o que nos é realmente tangível e palpável?
Não se preocupe, também não vou falar do atual status da economia global (e desde quando eu entendo de economia?) ou dos mortos em conflitos armados no oriente médio. Hoje estou apenas escrevendo por escrever, digitando por instinto, sem ter nada a dizer.
Vai saber o que se passa na cabeça de um homem de tamanho intelecto...
Calma! Estou falando de Pascal, não de mim; não sou presunçoso a tal ponto. Ainda não.
Sabe-se que ao final dos anos 1640 (entre 47 e 49) Pascal, após uma longa temporada dedicando-se exclusivamente à aritmética, entra em declínio. Sua saúde acaba por ser comprometida em decorrência da excessiva jornada de trabalho. Acredita-se que em 1648 tenha começado a inclinar-se para o campo da religião. Quando começa a andar em companhia de Jacques Forton, inicia seus estudos da bíblia e, pouco depois, se une aos jansenistas do Port-Royal, também com uma pontinha de influência de sua irmã Jacqueline, que entrara para o convento. No entanto o fato decisivo para o direcionamento espiritual de Pascal teria sido o milagre da cura de sua sobrinha, que sofria de uma fístula ocular maligna, após tocar o “santo espinho” de Port-Royal.
Há quem diga que outros fatores influenciaram Pascal nessa guinada: o livramento de um acidente de charrete, visões divinas, etc. O fato é que, a partir de 1653, Pascal deixa de lado os estudos matemáticos e volta seus esforços unicamente para a teologia. Poderia gastar mais algumas linhas discutindo a influência do jansenismo sob a produção científica de Pascal, ou mesmo sua pequena guerra declarada aos jesuítas e à incredulidade de Descartes como demonstrada no seguinte comentário: “Não posso perdoar Descartes; bem quisera ele, em toda sua filosofia, passar sem Deus, mas não pode evitar de fazê-lo dar um piparote para pôr o mundo em movimento; depois do que, não precisa mais de Deus”. Mas, por hora, deixemos isso de lado. De qualquer sorte, Pascal foi uma das mentes mais fabulosas da história. Devemos a ele a primeira máquina de calcular, a geometria do acaso, o triângulo de Pascal, além de ter aperfeiçoado o barômetro inventado por Torricelli.
E onde eu pretendo chegar com isso? Lugar nenhum. Apenas ilustrar a importância dessa dualidade na construção do caráter humano. Por quê ciência e religião precisam estar necessariamente em plataformas opostas? 
O que impede estas duas forças naturais, condicionadas à necessidade de humana de buscar respostas às questões relativas à sua existência, de conviverem lado a lado?
Como eu disse, hoje estou escrevendo meio que por escrever. Sem grandes pretensões, sem rumo, sem lenço e sem documento. Mas, afinal o que me impulsiona a “perder” essas horas de uma tarde de domingo? O que desacalma (mais uma vez, neologizando...) meu coração? Sei lá, caro leitor!
Mais uma vez, fico com Pascal:
“O coração possui razões que a própria razão desconhece”.


On the road, coisas desiguais...

Vivemos um período confuso, musicalmente falando. Às vezes me pego meio que policiando o que meus amigos ouvem, em que situação tocam certas músicas, enfim...
O certo, para mim, é que estamos vivendo a era da descentralização da cultura musical. 

 - "Que ótimo! Maravilha! Lindo, perfeito!!! Descentralização da cultura".

Perfeito uma vírgula! Não me refiro à descentralização enquanto fator de proliferação do conhecimento. Também não estou falando da descentralização do poder de consumo, retirando-o das mãos da elite (e, afinal, o que é elite hoje em dia?), para torná-lo acessível às minorias (e me diga: o que é minoria hoje?). Me refiro sim à descentralização da noção de cultura enquanto elemento perpetuador de conhecimento e atividade social. Ou, como diz o meu Aurélio digital:

"Categoria dialética de análise do processo pelo qual o homem, por meio de sua atividade concreta (espiritual e material), ao mesmo tempo que modifica a natureza, cria a si mesmo como sujeito social da história." 

Esse é o conceito filosófico de cultura, segundo Aurélio Buarque de Holanda (Se ele for realmente o pai dos dos burros, quero que me adote!).

Enfim, voltando à música, estamos vivendo dias de do tchutchatchá, enquanto a poesia e o rítmo perdem espaço. É a essa descentralização que me refiro. Descentralização racional do que vem a ser música! 


Pelo amor do pai! isso aqui é que era sertanejo:

Décadas antes, dizia-se que "Nega do cabelo duro que não gosta de pentear" era coisa para vagabundo cantarolar atrás de um trio elétrico. Quem tinha conhecimento, classe, pompa, frescura.... ops! Escapou! Enfim, quem tinha bom senso ouvia Caetano, Gil, Elis, Chico...
Hoje em dia, no entanto, aqueles que outrora foram a elite, que se orgulhavam de possuir toda a "cultura" em detrimento "daqueles miseráveis da periferia", gastam seu tempo e dinheiro Na "swingeuira do papai" ou "só no cavalinho"

Ai, ai! Que saudade de Luíz Caldas e seu "Fricote"... aquilo era baixaria com classe!


Lembro-me de minhas tardes trancado no quarto curtindo dores de cotovelo ao som de Legião de Urbana. "Se fosse só sentir saudade... mas tem sempre algo mais". Dá pra acreditar que fiz tanto rodeio só pra chegar até aqui? Só pra tocar no assunto. Só pra falar que quero compartilhar boa música com vocês. Tenho que aprender a ser mais direto.

Enfim, a partir de hoje, o espaço "Cult" do Outside vai ser, também, nosso canal para trocar experiências musicais. Não quero fazer disso uma via de mão única, então comentem, sugiram, critiquem, me mandem calar a boca, me chamem de "my endless love",  fiquem à vontade. 

Começo com uma banda que não falta em minha playlist: Legião Urbana, formada em 1983 por Renato (Russo)  Manfredini Jr., Marcelo Bonfá, dado Vila Lobos e Renato Rocha. A banda, criada na Asa Norte de Brasília, era básicamente o espólio do "Aborto Elétrico", grupo formado anos antes Por Renato Russo, André Pretórius e Fê Lemos. Com o fim do Aborto, Renato Resolve montar outro grupo e assim começo a história da maior banda de rock do país.


Depois de muitos desencontros, Renato Rocha sai da banda após o lançamento do terceiro álbum (Que país é este?) e a banda segue com os três componentes restantes até 1996, quando Renato Russso, já fragilizado pela aids vem a falecer no dia 11 de outubro. Renato deixou uma verdadeira Legião de fãs, tão órfãos quanto seu filho Giuliano (concebido por uma fã). 

Até hoje a Legião é cultuada como a maior banda PUNK, a maior banda FOLK, a maior banda UNDERGROUND... de fato, Legião Urbana teve todas essas fases, mas, o mais marcante, sem dúvida era o fato de que você sempre encontrava aquela música que te fazia pensar: "Caramba! isso foi esccrito pra mim...". A sensação que toda boa música de verdade te traz.
Reanato Russo, Rocha, Dado e Bonfá. A primeira formação da
Légião Urbana

Aos interessados, segue link para download de todos os álbuns da Legião:

Discografia:


A lenda do Cavaleiro das trevas - Parte 2: Voltamos, enfim, ao início.


À esquerda, capa de All American Comics #16 (de 1940)
- Primeira aparição do Lanerna verde da era de ouro.
À direita:  Showcase Comics (de 1959)
- Primeira aparição do novo Lanterna Verde (era de prata - moderna).
Como visto anteriormente, a década de 1950 representou o purgatório das HQ’s nos EUA, com reflexos perceptíveis por todo o globo. Mas, de onde surgiu essa aversão desenfreada do Dr. Wertham ao gênero?  Por que a crucificação de personagens que, até então, representavam o ápice da benignidade humana? Voltemos uma década. 1945. Segunda Guerra Mundial... no auge da batalha, o governo norte-americano enviava às tropas, além de mantimentos e aparato militar, revistas em quadrinhos; não apenas como distração para as mentes sufocadas pelo horror da guerra, mas, também, como incentivo aos ideiais de patriotismo e perseverança nas tropas. Nesse período era comum ver personagens como Batman, Superman e outros no campo de batalha, montados em canhões, enfrentando HitlerMussolini ou Hiroito. As vendas de histórias em quadrinhos estavam em alta, mas isso mudaria drasticamente com o desfecho da guerra. Era o início do fim para a era de ouro dos quadrinhos.
Capa de The Flash #123 
apresentando o encontro
 entre as duas versões do personagem.


Por conta do Comics Code Authority, muitos títulos foram cancelados. Alguns personagens clássicos como Flash e Lanterna Verde ganharam novas versões para tentar se adaptar aos novos tempos; outros, foram perdendo público até serem descartados de vez. Com o Batman, a situação não era muito diferente...
O que poderia ser feito para retornar o Cavaleiro das trevas aos seus dias de glória? No início dos anos 60, personagens mais populares como Superman e Batman sobreviviam aos trancos e barrancos. O primeiro apegava-se às incontáveis franquias vinculadas ao seu nome (brinquedos, desenhos animados, séries de rádio e televisão, cinema); Já o Batman via a legião de fãs conquistada nos primórdios da era de ouro se esvair a cada dia, em grande parte por conta do perfil infantil que suas histórias vinham tomando, com roteiros cada vez mais cômicos e vazios. A chegada do seriado televisivo de 1966 foi, para muitos, a gota que faltava para o funeral simbólico daquele que já foi um dos maiores ícones da banda desenhada.







E disse Adams: "Que se façam as trevas!"

Em 1968 o desenhista Neal Adams, conhecido por seu estilo altamente naturalista, apresenta seus esboços para uma história do Batman, pedindo ao então Editor Julius Schwartz uma chance como desenhista titular. Adams obtém como resposta um enfático “Keep-out” (pé na bunda, se prefirirem).

No início dos anos 70, Neal Adams e o roteirista Dennis O'Neil causam uma verdadeira revolução com os personagens Lanterna Verde e Arqueiro verde, pondo os dois lado a loado em histórias não tão comuns para a época. Ao invés de combaterem criminosos insanos ou ameaças intergalácticas, a dupla de heróis passou a se envolver em situações políticas e questões sócio-ambientais. Essa humanização proposta por Adams e O’Neil, revitalizou os personagens, reavivou o interesse dos leitores trazendo uma nova temática e, é claro, disparou as vendas. Nesse meio tempo Neal Adams foi escalado para ilustrar o Batman em "Brave and the Bold", um título complementar da DC no qual eram realizados alguns Team-Up's (aventuras baseadas em encontros de super-heróis). Nessa oportunidade, o desenhista eliminou de vez o traço caricato utilizado até então no personagem. O sucesso foi tão grande que, em pouco tempo, Brave and the Bold passou a focar apenas encontros do Batman com outros personagens. Seu desenho anatomicamente perfeito e com um incomparável domínio de técnicas de luz e sombras apresentaram um Batman muito mais coerente com a proposta inicial de Kane e Finger, sem mencionar que as histórias voltam a ser ambientadas, predominantemente, à noite.
Lanterna e arqueiro: Heróis envolvidosem questões sociaisCena na qual o Arqueiro verde descobre que seu aprendiz, Ricardito,estava viciado em drogas. 

A voluptuosa Tália.
A perfeição anatômica no traço de Adams
e a tentativa de masculinizar o herói até então ridicularizado.
O traço de Adams causa um frenesi nos leitores e com o sucesso das vendas, consequentemente, os editores da DC passam a ele os todos os títulos do Batman. Neal Adams e Dennis O’Neil foram responsáveis pela criação, em 1971, de um dos personagens mais interessantes da galeria de vilões do Batman: O Imortal Rã’s Al Ghul ( رأس الغول em árabe, que pode ser traduzido como “cabeça do demônio” e também é um dos nomes atribuídos à estrela Beta Persei [também conhecida como Algol] da constelação de Perseu). Recentemente, Foi interpretado no cinema por Liam Neeson no Filme “Batman Begins”. No mesmo ano a dupla criaria A estonteante Tália, a filha de Rã’s Al Ghul, com quem o Batman veio a ter um filho na Graphic Novel “O filho do demônio, publicada em 1989.

Ao ser indagado por seu editor sobre qual seria o motivo de tanto sucesso, Adams é incisivo em sua resposta: "É porque esse é o verdadeiro Batman! Qualquer garotinho americano sabe disso. Ironicamente, os únicos que parecem não saber são vocês!”.
Muito realismo e um fascinante domínio de técnicas de luz e sombras fizeram o desenho de Neal Adams ganhar destaque. Acima: Cena de Batman #244 de 1971, uma das sequências mais esteticamente impressionantes.

 O Batman pós Crise

A morte da Supergirl em
Crise nas infinitas terras.
Mesmo com os leitores satisfeitos e com todo o sucesso nas vendas, algo ainda estava muito errado nas entrelinhas do universo do Batman (e de todos os outros personagens da DC). A cronologia do personagem era um emaranhado de impossibilidades e fatos absurdos. O principal motivo: sempre que um roteirista criava uma história que mais tarde viria a ser vista como insensata, usava-se a desculpa de que aquele fato específico se deu em um universo paralelo, sem que isso tenha afetado a realidade do verdadeiro batman. O grande problema é que após tantas histórias absurdas e tantas supostas realidades alternativas, já não se sabia qual era a verdadeira realidade. Todos os personagens da DC comics possuíam versões de si mesmos em incontáveis outras terras localizadas em alguma dessas realidades. Para por um fim a esta balbúrida foi criada em 1985 a saga “Crise nas Infinitas Terras”, um evento colossal que envolveu todos os personagens da editora com a proposta de remodelar o toda a cronologia e manter um único universo.
O flash morre para destruir o canhão de anti-matéria
 do anti-monitor.


No decorrer da crise, vários fatos marcantes foram acontecendo no intuito de, literalmente, destruir universos e personagens desnecessários, ou mesmo dar uma nova roupagem aos que permaneceriam. O Flash da era de prata (Barry Allen) morreu tendo sua energia dissipada enquanto corria mais rápido que a luz e rompia a barreira do tempo. A supergirl, prima do superman, criada em Action Comics #252 (Maio 1959), também falece em uma batalha contra o anti-monitor (ser que, supostamente, desencadeou a crise e pretende destruir todos os universos).

Ao fim da crise, todos os personagens tiveram suas histórias remodeladas e suas origens recontadas. Para cada grande herói foi elaborado um time de roteiristas e desenhistas com a missão de reinserir esses mesmos heróis num contexto mais moderno e cientificamente coerente. Com o Batman não foi diferente.


A primeira grande história pós crise do morcego foi “O Cavaleiro das Trevas” (The Dark Knight Returns), lançada em 1986, na qual Frank Miller nos traz um Bruce Wayne já em idade avançada retornando à atividade após dez anos de silêncio. A história é aclamada por muitos leitores até hoje como o mais incrível trabalho já produzido para o Batman, quiçá, a maior trama das histórias em quadrinhos. Vemos aqui um Batman mais sombrio do que nunca em um futuro no qual a ação de super-heróis foi sumariamente proibida pelo governo norte-americano e o Superman tornou-se o “leão de chácara” do presidente. A cidade de Gotham vive dias de tumulto, governada por gangues e terroristas... até que o cavaleiro das trevas ressurge. A história possui momentos simplesmente épicos como os últimos momentos de vida do coringa e o confronto definitivo entre Batman e Superman.
A épica batalha entre Batman e Superman.





Cena que serviu de inspiração para
Batman Begins
No ano seguinte, Frank Miller, agora na companhia do desenhista David Mazzucchelli, é incumbido de recontar a origem do personagem no fantástico “Batman: Ano um”. Pela primeira vez, uma história mostrou os primeiros dias de Bruce Wayne como vigilante de Gotham. Miller fazia questão de expor a inexperiência de Bruce, como no momento em que ele se dirige ao subúrbio disfarçado apenas com roupas comuns e maquiagem e, após uma briga com um cafetão e algumas prostitutas (entre elas, Selina Kylle, que mais tarde viria a se tornar a Mulher Gato), é baleado por policiais e volta para casa gravemente ferido. É nesse momento que um morcego estilhaça sua janela e lhe traz a inspiração do que seria necessário para implantar o terror nos corações dos criminosos. Ano um ainda mostra a chegada do então tenente James Gordon e o início de sua incursão contra a corrupção na polícia de Gotham.

O momento de inspiração.
A era moderna (pós-crise) trouxe, além de uma nova roupagem, novos conceitos para os quadrinhos. Com o enfraquecimento do código de conduta imposto nos anos 50, as histórias de super-heróis passaram a exibir uma carga psicológica mais densa, assim como um certo apelo à violência. Para o Batman, essa foi a porta de entrada para a morte em família.
A morte entre personagens de quadrinhos nunca foi um conceito muito disseminado. A ideia de que um ícone da superioridade humana, fosse susceptível também às fragilidades humanas, não parecia muito vendável.

O coringa espanca o menino prodígio
 à vista de sua mãe.  Ambos morrem.
Em 1988, tudo isso vem abaixo. Na trama bolada por Jim Starlim (roteiro) e Jim Aparo (desenhos) e intitulada “A morte de Robin”, vemos um brutal assassinato. Jason Tod, o segundo Robin (que assumiu o manto após o primeiro Robin, Dick Grayson, ter deixado a mansão para seguir carreira solo, tornando-se mais tarde o líder dos Novos Titãs, sob a alcunha de Asa Noturna), após uma série de desentendimentos com o Batman, em função de seu temperamento irascível, dirige-se a Israel seguindo pistas de sua mãe biológica. Após uma busca ao longo de dois países, vai para em Adis Abeba na Etiópia, onde é traído por sua mãe que o leva a uma emboscada preparada pelo Coringa. É aí que entra a parte interessante da história: na época, a DC propôs aos fãs uma votação por telefone para decidir o destino do menino prodígio; seria salvo pelo Cruzado de capa, ou assassinado pelo palhaço do crime? Por uma diferença de apenas 72 votos (5.343 contra 5.271), os leitores optaram pela morte do Robin.

Diferente de seu antecessor, Jason Tod não despertava a mesma simpatia nos leitores. Sem dúvida, sua personalidade agressiva era um fator determinante para isso; mas, infelizmente por um vacilo da editora abril (que pulou a publicação de uma das edições do arco de histórias que culminou na morte de Robin), a maioria dos leitores brasileiros nunca teve ciência de um fato de enorme relevância para essa decisão do público americano: nessa malfadada história, fica a dúvida se Jason teria jogado um bandido pela janela de um apartamento ou se teria sido tudo um acidente. Sendo um assassino em potencial, o jovem caiu no desgosto dos leitores. Em uma das cenas mais brutais já publicadas, é surrado com um pé de cabra e, logo em seguida, morre junto com sua mãe na explosão de um galpão. Numa infeliz ironia, o Cavaleiro das trevas se vê impossibilitado de vingar a morte de seu pupilo, já que o inimigo ganha imunidade diplomática ao ser nomeado, embaixador do Irã junto às Nações Unidas, pelo aiatolá Khomeini. Mais tarde, o Superman se junta à trama para evitar que o Batman perca o controle e cause um incidente internacional.
O homem morcego entra na era moderna de forma violenta, pendendo entes queridos e sofrendo traumas irremediáveis...
... Mas isso é apenas o começo do fim.
Morte em família: Batman carrega o corpo de Jason em meio aos destroços.


Berkeley em Bellagio: do tabu ao totem



Sem dúvida, o erotismo constitui-se como marca de leitura na literatura ocidental e latino-americana. E o homo-erotismo se revela como lugar de enunciação em seus gestos e práticas investidos na legião livre da existência. Como um olhar que registra as vias urbanas, este mesmo olhar flagra os contatos homossexuais entre e com homens demarcados no disparate, tendo como medida as experiências on the road. (GARCIA, Paulo César. 2008).

 Outubro de 2002. João Gilberto Noll, gaúcho de Porto Alegre, até então com 56 anos e um histórico profissional que incluía a Folha de São Paulo (1970) e a Pontifícia Universidade Católica (lecionou no curso de Comunicação em 1975), apresenta ao mundo o provocante romance Berkeley em Bellagio.

Narrativa pós-moderna ousada e cativante, Berkeley em Bellagio foi mais que um novo trabalho; foi uma releitura de toda obra nolliana. Mais uma vez, como em A fúria do corpo (1981), a velha personagem ao estilo outsider é inserida na trama: expatriado por opção, residente das rotas internacionais, o João (este, personagem), homem de certa idade, intelectual, escritor homossexual, gaúcho de Porto Alegre, em muito se confunde com aquele João, o autor, de certa idade, intelectual, escritor homossexual... 

Capa de Berkeley em Bellagio
(2003, ed. Francis).
O João (personagem) de Berkeley em Bellagio anuncia-se como uma figura disposta a romper tabus. A linguagem poeticamente sensual, para não dizer obscena, empregada pelo autor, constrói junto ao leitor a visão de um Inocêncio VIII pós-moderno acerca da personagem. Esta, assim como aquele, sempre em busca de sangue novo para reavivar seus sentidos. Tal qual o papa, o intelectual gaúcho parecia crer no poder de transfusões como mecanismo mantenedor da vida. Porém, diferente do Santo Padre do século XV, o fluído desejado por João não era vermelho, e sim esbranquiçado. Não detinha o poder de sustentar a vida, e sim o de gerá-la. A sede (ou fome?) de juventude do João, sempre o levava a delírios ou aventuras inesperadas com boys em Berkeley ou com ragazzos em Bellagio. 

No percurso entre cortinas empoeiradas e o cascalho dos campos de Bellagio, surge a questão: qual a razão primordial para o elemento homoerótico em Berkeley em Bellagio? A riqueza criativa da obra de Noll se manifesta de forma violenta: o que de início parece ser um romance no mais banal estilo sex pocket book, revela um fundo politizador ao inserir uma minoria marginalizada nas rodas intelectuais de renomadas instituições acadêmicas. O homossexual, vítima de toda sorte de ofensas morais e físicas, aqui se mostra dominador de um certo espaço, na Universidade da Califórnia, onde ensina aos jovens frequentadores do Mcdonald’s um pouco sobre cultura brasileira.  

Fez três vezes em vinte dias Porto Alegre – São Paulo – Porto alegre de ônibus rumo ao consulado americano. Dinheiro emprestado, levando recortes de jornais comentando seu período como escritor residente em Berkeley, agora como futuro professor convidado, dando cursos sobre Clarice, Graciliano, Raduan, Caio, Mirisola e alguns outros, mais alguns cursos sobre MPB, quando ele cantava, ele que gostava de cantar desde pequeno, cantava sobretudo bossa nova e tropicália como um emissário de pérolas brasileiras que os alunos americanos pareciam receber com a efusão conveniente às melhores notas – para depois de formados poderem operar as mais produtivas relações internacionais para o país deles controlar melhor o cosmos. (NOLL, 2003. p. 14)

João (o autor) em muito se confunde
ao João (a criação).
Noll consegue expandir a imagem e a voz da classe representada por sua personagem de modo a torná-las um grito. Um grito que ultrapassa barreiras literárias e geográficas dizendo: “Estamos aqui! Somos seres viventes, pensantes e absolutamente COMPETENTES!!!”. Em pouco mais de 100 páginas o elemento, outrora marginal, torna-se centro (e centralizador) de uma gama de questões político-morais que perpassam a sexualidade e avançam rumo ao senso comum de competência intelectual. 

Segundo Foucault (2005), “A afetividade, o amor, o desejo e a relação sexual intersubjetiva assumem, na sua visão, importância positiva quando manifesta a si mesma as relações afetivas com o outro”. Noll envolve suas personagens em uma teia de desejo e sentimentalismo onde um, quase sempre, é decorrente do outro. A forma terna como João descreve, em detalhes, as mais explícitas cenas de envolvimento sexual, cenas estas que seriam sumariamente rejeitadas em outra narrativa, prende o leitor de modo a fazê-lo esquecer (ou ignorar) o fator homossexual ali contido. O execrável se torna contemplável. O sujo torna-se o poético. O tabu faz-se totem. 

A atmosfera ingênua, gerada pelo vilarejo de Bellagio, assim como a tranquilidade aparente do campus da Universidade da Califórnia, podem ser tomadas como elementos contribuintes para a visão terna que circunda cada palavra de cunho mais sexualmente agressivo. 

Quando saiu a conhecer o vilarejo de Bellagio, não conseguiu ver o que esperava encontrar numa aldeia italiana típica de filmes como ‘Cinema Paradiso’, ‘O carteiro e o poeta’; não via como dali poderiam sair histórias autenticamente pessoais, dramas, humor, malícia, tédio (NOLL, 2003. p. 21).


Cinema Paradiso
Notável é a perfeição sugerida pela escolha dos cenários. Notável também a citação de dois clássicos do cinema italiano dotados, assim como o livro em análise, de uma falsa inocência, um falso desinteresse em tudo além do que fica claro à primeira vista: o “Cinema Paradiso” (Nuovo Cinema Paradiso,1988), escrito e dirigido por Giuseppe Tornatore, mostra uma Itália pós-guerra sedenta   de algo que lhe afaste o cheiro de pólvora e sangue, onde a amizade entre menino e velho ilustram o poder transformador da arte sobre o destino do Jovem Toto. 
Já “O carteiro e oPoeta” (Il Postino/The Postman, 1994), dirigido por Michael Radford, narra uma fictícia história de amizade entre o poeta chileno Pablo Neruda, exilado na Itália nos anos 50, e um camponês analfabeto, o qual Neruda alfabetizará, teoricamente para que este conquiste o amor da bela Beatrice. Na verdade, ao “educar” o jovem camponês, Neruda insere no indivíduo o conhecimento de sua condição enquanto membro de uma comunidade, tornando-o um ativista entre os conterrâneos. Berkeley em Bellagio se enquadra nesse mesmo status de falsa displicência. Enquanto que, à primeira vista, é um romance sem maiores pretensões, na medida em que o leitor se aprofunda no enredo e no universo do João (o autor e a personagem), descobre artifícios utilizados para gerar um sem fim de possibilidades argumentativas. 

Até mesmo a paranoia americana, vivida em sua máxima intensidade no período imediato à destruição de um certo ícone do capital, tem sua vez durante as caminhadas noturnas entre os campos de Bellagio ao som do cascalho sob os pés: 

Continuei ouvindo o cascalho, alguém se aproximava e devia ser por trás. Custei um pouco a me virar. Estar entre americanos é jamais abordar quem quer que seja com um olhar inoportuno, como se todos estivessem vivendo às margens da paranoia e a todos se exigisse que não a provocassem o suficiente a ponto de se ultrapassar um limite além do qual já não se pode responsabilizar ninguém pelos seus atos. Tudo era medido quando não se estava bêbado, que todos se segurassem em seus casulos, não se aproximassem de ninguém além do que a Democracia Americana, a única, soberana, pudesse conter em seu código relativo aos “Direitos e deveres Dialógicos” Esse o patamar para além do qual a História se encolhia tanto a ponto de se cristalizar platônica, sem nada mais pra redimir, elaborar, viver. Era a torre do Novo Capital se erguendo, basta... (NOLL, 2003. p.40).

Enquanto se camufla nas vestes de um romance despretensioso que provoca apenas por provocar, Berkeley em Bellagio vai abrindo portas no subconsciente do leitor e lançando sobre si mesmo uma atmosfera que vai se tornando gradativamente mais densa. Sua narrativa acelerada, dada em períodos contínuos, sem divisão por capítulos tópicos ou tomos, contribui para uma absorção frenética da trama. Essa estrutura de escrita acelerada é uma das marcas pós-modernas escancaradas no estilo incisivo (para alguns, até um tanto agressivo) de João Gilberto Noll. 

Reafirmando a capacidade de Noll de toteimificar o profano, o sujo, ele faz uso de uma normalização do incomum; o que para outros seria absurdo é exposto, é tratado, é humanizado e torna-se o centro de uma esfera narrativa incansavelmente provocante.

Ao ser pego abraçado a um colega no banheiro, abocanhando a carne de seus lábios, alisando seus cabelos ondulados, ele era o culpado – já o colega não, nem tanto; ele sim, apontado como o que desviara o desejo de outros jovens das “metas proliferantes da espécie”. Por que era ele o emissário de um mundo que os discursos dos padres condenavam ao silêncio sepulcral? Quem era ele afinal, por que se roía a ponto de o levarem para o Sanatório para ali se resolver impregnando-se de choques insulínicos, como se só na convulsão pudesse remediar um erro que ainda não tivera tempo de notar dentro de si? . (NOLL, 2003. p.22-23).

Se o homem é produto do meio, as personagens de Noll são produtos arquetipificados de sua visão de como deveria ser o meio. Elementos complexos e essencialmente humanos. Quase tangíveis em seus momentos de introspecção, suas reflexões sobre o mundo e sobre si mesmos. É em meio a essa complexidade que o autor concebe a suas personagens as ferramentas necessárias para fugirem ao senso comum, tornarem-se ícones enquanto representantes de uma minoria.

Poucos autores conseguem levar a patamares tão dignos assuntos tão polêmicos. No caso de Noll, a polêmica é também sua realidade, seu mundo, seu estilo de vida. Fato esse que o aproxima ainda mais de sua obra, que lhe concede ainda maior poder de desmitificar o tabu, fazendo da sua narrativa mais que um elemento de inserção cultural e sim, um mecanismo de obliteração da irracionalidade.


Me deixa ler seu corpo?


Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. (BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Kikolai Leskov. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 2005)

Pensemos, inicialmente, num processo de criação literária. O que leva a criação de uma produção literária? Quais os fatores imbricados dentro deste processo? Eis questões que poderíamos ficar anos e mais anos refletindo e obtendo milhares e milhares de respostas. Para sermos mais preciso, pensemos na relação entre o produtor de uma obra literária e seu produto. Haverá alguma relação existencial, ou melhor, corporal entre autor e obra?
Por muito tempo, venho partilhando do discurso de que o mundo é um grande conjunto de seguimentos interligados (cosmo, físico, químico, cultural, entre outros) e, com isso, refletindo se as produções culturais e tecnológicas do homem estão tão desassociadas assim dos aspectos biológicos. Mas, afinal, há alguma ligação entre o corpo humano e suas produções artísticas?
Não podemos negar que nossos aparelhos biológicos neurais, perceptivos e psicológicos, que nos fazem armazenar informações, pensar o mundo e o idealizá-lo, são alguns dos principais fatores para as produções culturais. De fato. Parece até meio que obvio dizer isso, mas é fundamental referir-nos a esses fatores para não cometermos equívocos futuramente.
Penso que esses aspectos biológicos são fatores importantes para determinarmos nossas produções culturais – dando ênfase às criações literárias – enquanto produtos biológicos, ou melhor, produtos de nosso corpo. Mas há mais para fundamentarmos essa hipótese.
Por muito tempo, estudiosos vêm reproduzindo – não sei, ao certo, se foi a partir Freud ou Karl Marx - o discurso de que o homem não nasce homem, mas torna-se. Eis uma afirmação importante que concordamos. Não podemos negar que ao nascermos e passarmos da fase pré-edipina somos bombardeados de signos ideológicos que fundamentam o espaço sociológico do homem. Sim, estamos condicionados a perceber e significar o mundo de forma simbólica. Isso faz parte nossa natureza biológica e social, fato inquestionável de nossa essência.
Nesse contexto, em que a criança, ao nascer, encontra-se condicionada a um emaranhado de ideologias, cabe a esse individuo percebê-los, escolhê-los e os encarnar para se fundamentar enquanto individuo social.  Não podemos negar que todo esse processo acontece de forma idiossincrática, pois nem todos nós somos condicionados aos mesmos signos ideológicos. Daí percebemos nossas diferenças e semelhanças referentes aos nossos familiares, amigos, colegas, entre outros.
Mas, enfim, em quê a produção literária relaciona-se com todo esse processo do nascimento a constituição do ser homem, levando em conta suas características enquanto produto de um corpo biológico?
 Partindo de uma leitura marxista, podemos dizer que os signos ideológicos, que foram escolhidos entre muitos outros símbolos, idealizados e encarnados pelo autor, vão agora participar do conjunto de signos que podem ser encarnados na obra literária.  Talvez seja essa a razão que acarretou Silviano Santiago dizer, no seu livro Nas maias das letras: ensaios, que só se pode narrar a experiência de um jogador de futebol se for ou presenciar um jogador de futebol. Com isso, poderíamos considerar literatura uma extensão do corpo humano, tendo em vista sua essência enquanto produto de um aparelho biológico de um corpo humano e apresentar ideologias que um dia fizeram ou fazem parte do fundamento desse corpo humano produtor.
Levando em conta tudo o que foi dito até então, me deixaria ler seu corpo, se algum dia você criar uma obra literária? O pensamento de quem recepciona perguntas como essa poderia ser o mais inescrupuloso possível, considerando todo esse nosso contexto em que a sexualidade é colocada muito em evidencia.  Mas não nos contaminemos tanto assim.   
By: George Lima