Como visto
anteriormente, a década de 1950 representou o purgatório das HQ’s nos EUA, com
reflexos perceptíveis por todo o globo. Mas, de onde surgiu essa aversão
desenfreada do Dr. Wertham ao gênero? Por que a crucificação de
personagens que, até então, representavam o ápice da benignidade humana?
Voltemos uma década. 1945. Segunda Guerra Mundial... no auge da batalha, o
governo norte-americano enviava às tropas, além de mantimentos e aparato
militar, revistas em quadrinhos; não apenas como distração para as mentes
sufocadas pelo horror da guerra, mas, também, como incentivo aos ideiais de
patriotismo e perseverança nas tropas. Nesse período era comum ver personagens
como Batman, Superman e outros no campo de batalha, montados em canhões,
enfrentando Hitler, Mussolini ou Hiroito. As vendas de histórias em quadrinhos
estavam em alta, mas isso mudaria drasticamente com o desfecho da guerra. Era o
início do fim para a era de ouro dos quadrinhos.
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Capa de The Flash #123
apresentando o encontro
entre as duas versões do personagem.
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O que poderia ser feito para retornar o Cavaleiro das trevas aos seus dias de glória? No início dos anos 60, personagens mais populares como Superman e Batman sobreviviam aos trancos e barrancos. O primeiro apegava-se às incontáveis franquias vinculadas ao seu nome (brinquedos, desenhos animados, séries de rádio e televisão, cinema); Já o Batman via a legião de fãs conquistada nos primórdios da era de ouro se esvair a cada dia, em grande parte por conta do perfil infantil que suas histórias vinham tomando, com roteiros cada vez mais cômicos e vazios. A chegada do seriado televisivo de 1966 foi, para muitos, a gota que faltava para o funeral simbólico daquele que já foi um dos maiores ícones da banda desenhada.
E disse Adams: "Que se façam as trevas!"
Em 1968 o desenhista Neal Adams, conhecido por seu estilo altamente naturalista, apresenta seus esboços para uma história do Batman, pedindo ao então Editor Julius Schwartz uma chance como desenhista titular. Adams obtém como resposta um enfático “Keep-out” (pé na bunda, se prefirirem).
No início dos anos 70,
Neal Adams e o roteirista Dennis
O'Neil causam uma verdadeira revolução com os
personagens Lanterna Verde e Arqueiro verde, pondo
os dois lado a loado em histórias não tão comuns para a época. Ao invés de
combaterem criminosos insanos ou ameaças intergalácticas, a dupla de heróis
passou a se envolver em situações políticas e questões sócio-ambientais. Essa
humanização proposta por Adams e O’Neil, revitalizou os personagens, reavivou o
interesse dos leitores trazendo uma nova temática e, é claro, disparou as
vendas. Nesse meio tempo Neal Adams foi escalado para ilustrar o Batman em
"Brave and the Bold", um título complementar da DC no qual
eram realizados alguns Team-Up's (aventuras baseadas em
encontros de super-heróis). Nessa oportunidade, o desenhista eliminou de vez o
traço caricato utilizado até então no personagem. O sucesso foi tão grande que,
em pouco tempo, Brave and the Bold passou a focar apenas
encontros do Batman com outros personagens. Seu desenho anatomicamente perfeito
e com um incomparável domínio de técnicas de luz e sombras apresentaram um
Batman muito mais coerente com a proposta inicial de Kane e Finger, sem mencionar
que as histórias voltam a ser ambientadas, predominantemente, à noite.
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Lanterna e arqueiro: Heróis envolvidosem questões sociaisCena na qual o Arqueiro verde descobre que seu aprendiz, Ricardito,estava viciado em drogas.
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O traço de Adams causa
um frenesi nos leitores e com o sucesso das vendas, consequentemente, os
editores da DC passam a ele os todos os títulos do Batman. Neal Adams e Dennis
O’Neil foram responsáveis pela criação, em 1971, de um dos personagens mais interessantes
da galeria de vilões do Batman: O Imortal Rã’s Al Ghul ( رأس
الغول em árabe, que pode ser traduzido como “cabeça do demônio” e
também é um dos nomes atribuídos à estrela Beta Persei [também conhecida como
Algol] da constelação de Perseu). Recentemente, Foi interpretado no cinema por
Liam Neeson no Filme “Batman Begins”. No mesmo ano a dupla criaria A
estonteante Tália, a filha de Rã’s Al Ghul, com quem o Batman veio a ter um
filho na Graphic Novel “O filho do demônio, publicada em 1989.
Ao ser indagado por seu
editor sobre qual seria o motivo de tanto sucesso, Adams é incisivo em sua
resposta: "É porque esse é o verdadeiro Batman! Qualquer garotinho americano
sabe disso. Ironicamente, os únicos que parecem não saber são vocês!”.
O Batman pós Crise
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A morte da Supergirl em
Crise nas infinitas terras.
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Mesmo com os leitores
satisfeitos e com todo o sucesso nas vendas, algo ainda estava muito errado nas
entrelinhas do universo do Batman (e de todos os outros personagens da DC). A
cronologia do personagem era um emaranhado de impossibilidades e fatos absurdos.
O principal motivo: sempre que um roteirista criava uma história que mais tarde
viria a ser vista como insensata, usava-se a desculpa de que aquele fato
específico se deu em um universo paralelo, sem que isso tenha afetado a
realidade do verdadeiro batman. O grande problema é que após tantas histórias
absurdas e tantas supostas realidades alternativas, já não se sabia qual era a
verdadeira realidade. Todos os personagens da DC comics possuíam versões de si
mesmos em incontáveis outras terras localizadas em alguma dessas realidades.
Para por um fim a esta balbúrida foi criada em 1985 a saga “Crise nas Infinitas
Terras”, um evento colossal que envolveu todos os personagens da editora com a
proposta de remodelar o toda a cronologia e manter um único universo.
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O flash morre para destruir o canhão de anti-matéria
do anti-monitor.
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No decorrer da crise, vários fatos marcantes foram acontecendo no intuito de, literalmente, destruir universos e personagens desnecessários, ou mesmo dar uma nova roupagem aos que permaneceriam. O Flash da era de prata (Barry Allen) morreu tendo sua energia dissipada enquanto corria mais rápido que a luz e rompia a barreira do tempo. A supergirl, prima do superman, criada em Action Comics #252 (Maio 1959), também falece em uma batalha contra o anti-monitor (ser que, supostamente, desencadeou a crise e pretende destruir todos os universos).
Ao fim da crise, todos
os personagens tiveram suas histórias remodeladas e suas origens recontadas.
Para cada grande herói foi elaborado um time de roteiristas e desenhistas com a
missão de reinserir esses mesmos heróis num contexto mais moderno e cientificamente
coerente. Com o Batman não foi diferente.
A primeira grande história pós crise do morcego foi “O Cavaleiro das
Trevas” (The Dark Knight Returns), lançada em 1986, na qual Frank Miller nos traz um Bruce Wayne já
em idade avançada retornando à atividade após dez anos de silêncio. A história
é aclamada por muitos leitores até hoje como o mais incrível trabalho já
produzido para o Batman, quiçá, a maior trama das histórias em quadrinhos.
Vemos aqui um Batman mais sombrio do que nunca em um futuro no qual a ação de
super-heróis foi sumariamente proibida pelo governo norte-americano e o
Superman tornou-se o “leão de chácara” do presidente. A cidade de Gotham vive
dias de tumulto, governada por gangues e terroristas... até que o cavaleiro das
trevas ressurge. A história possui momentos simplesmente épicos como os últimos
momentos de vida do coringa e o confronto definitivo entre Batman e Superman.
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A épica batalha entre Batman e Superman. |
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Cena que serviu de inspiração para Batman Begins |
No ano seguinte, Frank
Miller, agora na companhia do desenhista David
Mazzucchelli, é incumbido de recontar a origem do personagem no
fantástico “Batman: Ano um”. Pela primeira vez, uma história mostrou os
primeiros dias de Bruce Wayne como vigilante de Gotham. Miller fazia questão de
expor a inexperiência de Bruce, como no momento em que ele se dirige ao
subúrbio disfarçado apenas com roupas comuns e maquiagem e, após uma briga com
um cafetão e algumas prostitutas (entre elas, Selina Kylle, que mais tarde
viria a se tornar a Mulher Gato), é baleado por policiais e volta para casa
gravemente ferido. É nesse momento que um morcego estilhaça sua janela e lhe
traz a inspiração do que seria necessário para implantar o terror nos corações
dos criminosos. Ano um ainda mostra a chegada do então tenente James Gordon e o
início de sua incursão contra a corrupção na polícia de Gotham.
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O momento de inspiração. |
A era moderna
(pós-crise) trouxe, além de uma nova roupagem, novos conceitos para os
quadrinhos. Com o enfraquecimento do código de conduta imposto nos anos 50, as
histórias de super-heróis passaram a exibir uma carga psicológica mais densa,
assim como um certo apelo à violência. Para o Batman, essa foi a porta de
entrada para a morte em família.
A morte entre
personagens de quadrinhos nunca foi um conceito muito disseminado. A ideia de
que um ícone da superioridade humana, fosse susceptível também às fragilidades
humanas, não parecia muito vendável.
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O coringa espanca o menino prodígio
à vista de sua mãe. Ambos morrem.
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Em 1988, tudo isso vem
abaixo. Na trama bolada por Jim
Starlim (roteiro) e Jim Aparo (desenhos) e intitulada “A
morte de Robin”, vemos um brutal assassinato. Jason Tod, o segundo Robin (que
assumiu o manto após o primeiro Robin, Dick Grayson, ter deixado a mansão para
seguir carreira solo, tornando-se mais tarde o líder dos Novos Titãs, sob a
alcunha de Asa Noturna), após uma série de desentendimentos com o Batman, em
função de seu temperamento irascível, dirige-se a Israel seguindo pistas de sua
mãe biológica. Após uma busca ao longo de dois países, vai para em Adis Abeba
na Etiópia, onde é traído por sua mãe que o leva a uma emboscada preparada pelo
Coringa. É aí que entra a parte interessante da história: na época, a DC propôs
aos fãs uma votação por telefone para decidir o destino do menino prodígio;
seria salvo pelo Cruzado de capa, ou assassinado pelo palhaço do crime? Por uma
diferença de apenas 72 votos (5.343 contra 5.271), os leitores optaram pela
morte do Robin.

O homem morcego entra na
era moderna de forma violenta, pendendo entes queridos e sofrendo traumas
irremediáveis...
... Mas isso é apenas o
começo do fim.
Morte em família: Batman carrega o corpo de Jason em meio aos destroços. |
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